terça-feira, 20 de maio de 2008
Entrevista com Alan Brum
Em entrevista ao Grupo Comunicação e Mobilização Social, Alan Brum Pinheiro, coordenador do Grupo Sócio Cultural Raízes em Movimento, fala a respeito do trabalho desenvolvido por jovens do Núcleo de Comunicação Crítica do Alemão, no Complexo do Alemão (RJ), que nasceu de uma parceria do Raízes em Movimento com o Observatório de Favelas, em 2006. Pinheiro também comenta o evento bimestral “Circulando”, que, com uma proposta de comunicação inclusiva, mobiliza moradores e gera novas formas de diálogo na comunidade e dessa com o meio externo.
O Complexo do Alemão está localizado na zona norte da cidade do Rio de Janeiro, entre os bairros de Ramos, Olaria, Inhaúma e Bonsucesso. Com uma população estimada em 300 mil habitantes, o Complexo é formado por 12 comunidades de baixa renda. A maioria da população é composta de crianças, adolescentes e jovens. Entre a população adulta, cerca da metade é analfabeta ou semi-analfabeta e muito discriminada por ser pobre, negra ou nordestina.
Mobilizadores COEP - De que forma o binômio comunicação e cultura pode criar novas formas de diálogo, em especial em comunidades de baixa renda?
Existe uma variedade enorme do conceito ‘cultura’, mas esse binômio se concretiza pelas expressões culturais que são formas de comunicação também. O Núcleo de Comunicação Crítica do Complexo do Alemão é um laboratório de experiências de comunicação endógena com pautas e matérias construídas por pessoas da própria comunidade do Complexo do Alemão. As formas de diálogo interno se dão de diversas formas: a construção da matéria que promove espaços de fala e valorização do pensar popular; os encontros-eventos realizados bimestralmente com o resultado das matérias (escritas, fotografadas, filmadas); e a repercussão desse processo pelos moradores que retorna como subsídio para as pautas seguintes. O meio externo, inicialmente, é mobilizado nos eventos. Isso possibilita a visibilidade da idéia do Núcleo. Porém devemos ampliar essa relação com maior estrutura física e de equipamentos para que possamos criar jornal, portais, entre outros.
Mobilizadores COEP - Como e quando surgiu o Núcleo de Comunicação Crítica do Alemão? Que tipo de trabalho os jovens realizam?
O Núcleo de Comunicação Crítica foi criado a partir da parceria do Grupo Sócio Cultural Raízes em Movimento com o Observatório de Favelas no segundo semestre de 2006. O Observatório de Favelas tem um processo de formação chamado ESPOCC – Escola Popular de Comunicação Crítica, que forma jovens de diversas comunidades do Rio de Janeiro nas áreas de jornalismo comunitário, fotografia e vídeo. Os Jovens do Complexo do Alemão capacitados por essa escola se agregaram a outros integrantes do Raízes em Movimento que já discutiam comunicação a partir da relação ‘consumismo exacerbado X violência’.
Mobilizadores COEP – E o que é e qual a proposta do Grupo Sócio Cultural Raízes em Movimento?
O Grupo Sócio Cultural Raízes em Movimento é uma instituição que nasceu há cinco anos com o propósito de trabalhar com as potencialidades humanas, como forma de construção de novas perspectivas de vida, sobretudo para a juventude. Já trabalhamos com esporte, musica e pré-vestibular. Atualmente, realizamos oficinas culturais e pesquisas sociais na comunidade do Complexo do Alemão. As oficinas mobilizam e identificam as potencialidades de cada participante, que são fortalecidas na linha de desenvolvimento humano.
A instituição busca parcerias diversas para realizar cursos que possam trazer acréscimos para a formação de cada jovem, ou seja, para seu planejamento individual de desenvolvimento. Paralelamente, buscamos alternativas de geração de renda por meio das produções de cada participante (painéis de graffiti, identidade visual, capas de revista, fotografia, desenho e ilustração), assim como o desenvolvimento artístico, com encontros semanais de aprofundamento e exposições de arte.
Outra vertente é a área de pesquisa de dados socioeconômicos da região que iniciamos há quatro meses, mas carece de apoio para as análises devidas. Essas pesquisas têm como finalidade acompanhar e qualificar as políticas públicas e subsidiar o controle social na região. Atualmente, o Raízes em Movimento não possui financiamento para levar adiante a proposta de desenvolvimento local. Essa segunda vertente poderia alavancar de forma consistente a melhoria da qualidade de vida no Complexo do Alemão.
Mobilizadores COEP – O que é o “Circulando” e como surgiu a idéia de criar esse evento?
O “Circulando” é um evento bimestral itinerante, que teve sua estréia no dia 31 de março, no Morro do Alemão. A iniciativa visa possibilitar que organizadores, moradores do Alemão e visitantes possam criar ou ampliar suas formas de comunicação e diversificar as informações trocadas. Além disso, quer apresentar as favelas como um lugar de criação e criatividade, apresentando outros aspectos da realidade local, que não a violência. E também potencializar a comunicação na favela, contribuindo para que os discursos lá elaborados se propaguem em outros pontos da cidade.
O nome “Circulando” está diretamente relacionado com a comunicação dialógica que o evento prega. O termo sugere aos moradores do complexo e aos visitantes que “circulam” pela comunidade, que quebrem a rotina, vejam com outros olhos, se exponham para conhecer e comuniquem-se para serem conhecidos. Nesse primeiro ano, a proposta é realizar um trabalho de comunicação inclusiva que possa tratar do contexto social em que os moradores do Complexo do Alemão estão inseridos. Assim, acreditamos que estaremos estimulando reflexões relativamente mais profundas, podendo surgir nesse ambientes idéias e ações que contribuam para uma mudança social.
Hoje, o Circulando tem o envolvimento de sete instituições locais – Instituto Nacional de Iniciativas Sociais (Inis); Movimento Cultural Social (MCS); ONG Verdejar; Éfeta; Centro de Referência de Saúde da Mulher (Cresam); Manancial; e Programa Saúde da Família (PSF) – e cinco extra-locais – Centro de Promoção da Saúde (Cedaps); Fórum Estadual de Juventudes do Rio de Janeiro; SESC- Rio; Movimento ‘Diga não ao Caveirão’; e Bairros do Mundo. Mas, a concepção e o desenvolvimento da proposta são feitos pelo Raízes em Movimento e pelo Observatório de Favelas.
Mobilizadores COEP - Que tipo de linguagens de comunicação foram usados para a edição de estréia do “Circulando”, no Morro do Alemão?
Foram expostos diversos trabalhos por artistas de várias comunidades, mas principalmente das favelas do Complexo do Alemão, e realizadas oficinas. Foram três exposições temáticas de fotografia; lançamento da Galeria a Céu Aberto do Alemão com mais de 70 painéis de graffiti na rua principal da favela; oficina Protagonismo da Juventude, onde foi discutido os espaços possíveis de atuação da juventude em relação às temáticas que os envolvem; dinâmica de diagnóstico social juvenil; oficina de foto pin-hole (técnica artesanal de fotografia); pufe de garrafas pet; e origami. Tivemos também apresentações culturais da escola de samba mirim, apresentação de rap free style e música anos 70 e 80. Foram realizadas ainda atividades de jornalismo, fotografia e vídeo que serão apresentadas no próximo Circulando.
Mobilizadores COEP - Como você avalia o evento?
Tínhamos alguns propósitos que alcançamos com sucesso: grande mobilização e participação dos moradores; articulação com parceiros externos e internos; passar a mensagem de construção coletiva de uma comunicação endógena, além do envolvimento dos moradores próximos, que emprestaram suas lajes para oficinas, e os comerciantes que garantiram uma boa parte de infra-estrutura. Isso foi alcançado, mas devemos buscar mais apoio logístico para termos maior autonomia e menos improviso, mesmo sabendo que são os improvisos que nos fazem superar dificuldades momentâneas. Trabalharemos mais com a mobilização interna também, apesar de ter sido boa. Para as próximas etapas iremos considerar as discussões acumuladas pelos grupos sociais da comunidade.
Mobilizadores COEP - A edição de estréia do “Circulando” teve o mote “Comunicação e diálogo na favela”. Qual será o mote da próxima edição do evento?
Ainda estamos em construção do próximo evento, mas deve ter uma discussão mais forte na área de meio ambiente, com o apoio da ONG local Verdejar. Foi decretado pela prefeitura o Parque Ecológico da Serra da Misericórdia, onde se localiza o Complexo do Alemão. Discordamos do decreto que, entre outras coisas, favorece a pedreira Lafarge, que explora a região há muitos anos, e está dividindo o Complexo do Alemão ao meio.
O Complexo do Alemão possui uma grande área ocupada por moradias, outra área de reflorestamento e uma terceira onde a pedreira atua, desde antes da ocupação humana da região. Uma das lutas locais é conseguir parar as atividades dessa pedreira, com o propósito de melhoria da qualidade de vida local. Estamos consolidando o “Comitê de Desenvolvimento Local” com as instituições da região para avançarmos na interlocução participativa das políticas públicas locais.
Fonte: Mobilizadores COEP
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